... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso,
da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades,
de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...


Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano III Número 37 - Janeiro 2012

Poesia - Raquel Naveira

Kneeling Nun (1731) é um trabalho do suéco-austríaco Martin van Meytens (1695–1770), e é composto de dois quadros, frente e verso.
Confissão de Mariana
(a Sóror Mariana Alcoforado, que nasceu em Beja, 1640. Desde menina professou no Convento de Nossa Senhora da Conceição em sua cidade natal. Em 1663, conhece Chamilly, oficial francês servindo em Portugal, durante as guerras da Restauração. Apaixonam-se. Ele regressa à França por ordens militares. Trocam cartas, das quais só ficaram as escritas pela freira, que falece em 1723, após dolorosa penitência)

Foi aqui,
Neste convento
Cheio de varandas
E flores perfumadas,
Perto daquela fonte,
Daquela bacia esculpida,
Que eu, freira clarissa,
Conheci o amor da minha vida:
O oficial francês Chamilly,
Paixão proibida,
Insana,
Incontrolada.


Foi aqui,
Neste convento,
Na cela e no porão
Que me entreguei a ele,
Sufocando-o com meu manto negro
Brocado de estrelas.


Depois que ele partiu,
Foi daqui,
Deste convento,
Que enviei a ele cartas
Tão tensas e dramáticas
Que estilhaçaram meus nervos
Em transes e sangrias.


Foi deste banco de mármore,
Perto do laranjal, que,
Traída e abandonada,
Escrivã sem pejo,
Expeli toda minha fúria,
Minha ânsia,
Meu ódio
De fêmea pagã
Queimando de desejo.


Escrevi:
“A esperança me proporciona prazer,
Só quero sentir a minha dor,
Que seria de mim sem esse amor e esse ódio
Que enchem o meu coração?
O que vai ser de mim?
Morro de vergonha.”

Neste convento
Feneço
Na carne e no espírito,
Eu, amante suprema,
De doçura extrema,
Ofereci-me a um cínico,
A um ingrato
E por ele me mato
Como Cristo
Nas dores do calvário.

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