... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso,
da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades,
de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...


Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano III Número 37 - Janeiro 2012

Poesia - Santiago de Novais

Ilustração enviada pelo autor.


Dia de Enterro
“Os átomos todos dançam, madruga, reluz neblina.
Crianças cor de romã entram no vagão.”
(Caetano – Trem das Cores)

Eu que já chorei todas as misérias agora não posso me rir delas nem por alfa nem por bravo.
Digo com furor messiânico e poeta que cruzarei o espaço acompanhado das emissões eletromagnéticas de Saturno e nada disso reinventará nossos dias juntos, mamãe, papai, irmãos e cachorrinho, tudo bonitinho.
Os amigos. Onde estão? Digo os que dizemos de verdade. Ok, tudo bem.
Eu que já chorei tantos desfortúnios próprios me vejo obrigado a chorar os de alfa e bravo e a me esquecer do meu próprio porque ele não é mais lento nem mais pesado, nem mais covarde, nem mais doído que um câncer, apenas me toca.
Tenho revolto dentro de mim todo o embrulho de ter existido, estou em um velório sem ninguém haver morrido e se alguém o tivesse não entenderia, nem estaria calmo, pois a morte não nos acalma e nem mesmo o Profeta que disse isso ou aquilo soube quando ia morrer e morreu sem saber. Então cajuína. A que será que se destina?
Sem se dar conta de que deveria ter comido mais do seu bolo de aniversário aquela vez que fizestes a festa e na qual chovia e eu não quis comer pois estava aborrecido por não ganhar beijinho, agora estou aqui para quem sabe segurar as fivelas do caixão, jogar o punhado de terra que representa a misericórdia, o desespero e a fé, em cima do vidro pálido de flores do seu caixão, que contém o seu corpo que parou de doer de tanta desordem celular.
Respiro um pouco, meio fundo. Isto faz o coração calar. Alguém mandou um “te amo”.
O que eu devo fazer? Sou uma casca de chuchu jogada no lixo amanhecendo sem o lixeiro ter recolhido. Um cachorro dorme sobre mim. Sinto suas pulgas vivas.
Aceito o carinho de uma mão no ombro de uma pessoa desconhecida que está com pena. Nestes dias tudo serve, unhas sem fazer, sapatos velhos, gente sem banho, até presente.
Caminho pela alameda cheia de ciprestes que duraram mais que todas as nossas vidas, todas as pessoas, a vitória calma de certas plantas sobre nós. E nosso comum desprezo por elas.
Ouvi as colheres dos pedreiros do cemitério colocando os tijolos e a argamassa.
Digo com furor messiânico e poeta que cruzarei o espaço acompanhado das emissões eletromagnéticas de Urano e nada disso reinventará nossos dias juntos, mamãe, papai, irmãos e cachorrinho (ou amigos).
Vou rir com as pessoas, prometo. Vou até gostar de chuva, prometo. Curare, curau? Nunca.
A mão no meu ombro era de outra pessoa e nem percebi a troca. Alguém. Ufa, que bom!
Carpe diem, carpe diem baby. Cobraram-me o estacionamento. Deveríamos estacionar de graça quando alguém da família ou um conhecido morre. Estou vivo. Não paguei.

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